É muito difícil (e por vezes contra-produtivo) fazer tudo sozinho. Ainda mais se sua ideia está crescendo, inevitavelmente você estará lidando com cada vez mais pessoas. Então, como trabalhar melhor em equipe? É possível desenvolver essa “soft skill”?
Nesse post irei tratar de alguns conceitos básicos de Gestão de Pessoas que podem te ajudar a ser uma ou um melhor integrante em qualquer grupo; para que você possa lidar melhor com fornecedores ou prestadores de serviço e até mesmo entender a comunidade gerada entre os indivíduos da sua audiência ou consumidores do seu produto.
Faço um convite para ler o post pensando em como esses conceitos podem ser aplicados para o cotidiano. Apesar do conhecimento muitas vezes ser gerado em caixinhas – a caixinha da Administração, caixinha da Psicologia, caixinha da Sociologia… – na prática, usufruímos dessas informações de forma muito mais complexa e não-linear.
Evidências da importância de conhecermos mais sobre as relações de grupo
Projetos falham, e falham muito:
Essas estatísticas são de uma pesquisa mundial sobre desenvolvimento de softwares. Os poucos projetos que conseguem ser finalizados com sucesso atribuem 30% dessa conquista a participação constante dos executivos em fornecer apoio emocional e financeiro e a maturidade emocional da equipe. Isto é, a dinâmica de comportamentos básicos de como as pessoas trabalham juntas. Questões técnicas gerais como capacidade da equipe e conhecimento de gestão somam somente 15%.
Essas evidências nos mostram como temos um fator humano subjetivo importante para o sucesso do seu projeto.
Além disso, tudo mundo ja trabalhou ou vai precisar trabalhar em grupo. É estimado que passamos 1.737 horas por ano trabalhando, o que equivale 20% do nosso tempo total (sem contar transporte). Bem, outras 2.920 horas de vida a gente passa dormindo, se você dorme 8h por dia. Com isso já temos aí quase 50% da nossa vida comprometida em só trabalhar e dormir. Então é interessante aprender um pouco mais sobre o que a Psicologia Organizacional pode nos ensinar, uma vez que as relações de trabalho são uma parte considerável da vida adulta.
É possível ser feliz sozinho?
O ser humano foi feito para viver em grupo, nossa biologia tem mecanismos próprios para identificar ameaças aos nossos vínculos sociais. Quando sentimos a dor de um luto, é dor mesmo! Igual ao ter lesionado uma parte do corpo. A explicação para isso é evolutiva, por muitos milhares de anos, nossos ancestrais viviam muito mais vulneráveis e era a capacidade de formar grupos que aumentava significativamente a expectativa de vida (CACIOPPO, 2008). Para ilustrar um pouco isso numa era moderna, indico esses dois dramas baseados em fatos e um documentário que aborda a relação de vida e morte em isolamento:
Christopher McCandless, filho de pais ricos, se forma na universidade de Emory como um dos melhores estudantes e atletas. Porém, em vez de em embarcar em uma carreira prestigiosa e lucrativa, ele escolhe doar suas economias para caridade, livrar-se de seus pertences e viajar pelo Alasca.
Ao explorar um cânion remoto em Utah, o alpinista e aventureiro Aron Ralston fica preso em uma fenda quando uma pedra cai. Nos cinco dias seguintes, Ralston examina sua vida e considera suas opções, as quais o levam a uma situação angustiante. Aron precisa tomar uma atitude para que possa se libertar e tentar voltar para a civilização.
Baseado em fatos reais, um avião cai nas montanhas dos Andes, mostrando até onde homens jovens comuns vão para sobreviver. Menos de 25 pessoas sobrevivem e as tentativas de localizar o avião são dificultadas pela localização remota e pelo mau tempo. Logo se desvanece a esperança de encontrar alguém com vida.
A ainda mais agora, com o mundo discutindo formas de isolamento social por conta da pandemia do Covid-19, aprenderemos muito mais sobre as consequências que a falta de relacionameto causam.
Bem, resumo da ópera do convencimento: (1) projetos bem sucedidos envolvem pessoas com maturidade emocional, (2) nós passamos uma parte considerável da nossa vida só em relações de trabalho e (3) não somos biologicamente preparados para viver tão independentes e isolados assim.
Equipe vs. Grupo
O drama do trabalho em grupo não termina na escola ou faculdade, por isso a Gestão de Pessoas diferencia um grupo de uma equipe (KATZENBACH e SMITH, 2001 e MOSCOVICI, 2003):
Grupo
- Grupos não tem necessidade nem oportunidade de se engajar em um trabalho coletivo que requeira esforço em conjunto;
- A responsabilidade por resultados é individual;
- Não existe sinergia para que o desempenho seja maior do que essa soma das partes;
- Podem ser formais – com o comando de um chefe e subordinados ou pessoas que se reúnem para executar tarefas;
- Ou Informais – pessoas que se reúnem por um interesse e objetivo em comum ou por amizade, compartilhando características.
Equipe
- Tem maior grau de maturidade do que um grupo;
- Tem identidade própria;
- Tem senso de comprometimento compartilhado;
- Sinergia entre seus membros, as habilidades são complementares
- Há investimento em seu crescimento com diagnose e resolução de problemas.
Um grupo se torna equipe quando começa a observar sua própria forma de operar, quando há um elemento de natureza simbólica que une as pessoas, estando próximas ou não.
Eu pessoalmente tenho uma cabeça que pensa muito em equipe e isso parece ser algo sempre bom, certo? Errado. Tanto em trabalhos remunerados quanto em voluntariados estive em situações que o desejado pelos outros integrantes era que eu só executasse as tarefas sem questionar muito.
Demorei bem uns 10 anos no mercado de trabalho para encontrar uma oportunidade em que a Gestão buscava criar equipes de trabalho e eu me desenvolvi mais em poucos meses do que em vários anos trabalhando em grupo. Entretanto, há momentos em que preciso ligar a chave do grupo para melhor lidar com pequenas crises.
O clima no trabalho não está legal? Você acha que está trabalhando numa equipe ou em um grupo? Veja, nem sempre você está sendo paga ou pago para pensar e isso não tem nada a ver com sua capacidade para tal. Entenda a percepção dos papeis e as normas de conformidade – mesmo que estejam implícitas – para que você possa entregar o que lhe foi pedido sem sair caro demais para ti.
Desenvolvendo a cultura de um grupo ou equipe
Você, cara leitora ou caro leitor, faz parte do meu grupinho, da minha patotinha <3 e aplico alguns conceitos no planejamento do blog para que você se sinta acolhida ou acolhido da melhor forma possível. Espero que sejamos, um dia, uma comunidade.
O senso de comunidade e a qualidade de um grupo se transformar numa equipe parte da formação de uma Cultura Organizacional propensa. Para entendermos como a cultura é formada, Geert Hofstede, doutor em psicologia, desenvolveu a Teoria das Dimensões Culturais (1991). O autor, que adota uma visão cognitiva, define cultura como uma “programação mental” produzido no ambiente social em que a pessoa cresce. Essa “programação” ocorre de maneira coletiva em que os indivíduos distinguem os membros de um grupo ou categoria de pessoas de outro. A estrutura desse programa é uma metáfora em cebola, indicando que a manifestação cultural acontece em camadas ou em níveis:
No nível mais nuclear há os Valores. Um valor é uma forte tendência para preferir certas situações a outras. Os valores são parte do indivíduo e da coletividade, enquanto a cultura é somente coletiva.
Um valor é a percepção, explícita ou implícita, distinta dum indivíduo ou característica dum grupo, dum determinado desejo ou vontade, que influencia a seleção dos modos, meios, fins ou ações disponíveis (KLUCKHOHN, 1967)
As práticas e comportamentos compartilhadas numa cultura, sua manifestação, são representadas como camadas dos Valores e são descritas como:
Rituais
São atividades coletivas que não possuem um objetivo técnico, mas que para uma determinada cultura são consideradas socialmente essenciais, mantendo o indivíduo dentro das normas da coletividade.
Heróis
São pessoas, vivas ou mortas, reais ou imaginárias, que possuem características que servem de modelos comportamentais e influenciam no comportamento de algum grupo ou sociedade.
Símbolos
São palavras, gestos, imagens e objetos que por vezes tem significados complexos, que são apenas reconhecidos por aqueles que partilham a mesma cultura. Por serem facilmente copiados pelos outros, aparecem na camada mais superficial.
No ponto de vista do marketing, quando estamos buscando criar uma audiência, é importante ter essas características em mente ao pensar na comunicação de uma ideia ou produto. Relembrando o primeiro post desse editorial de gestão e produtividade, é importante que os valores do seu projeto estejam alinhados com essas características para que as pessoas se interessem em diversos níveis de proposição de valor.
Nessa área, a pirâmide de necessidades de Maslow é muito difundida para posicionar a atratividade do produto, principalmente ao analisar o poder de compra do público alvo. Na luz dessa teoria, uma pessoa que não tem recurso suficiente para se alimentar bem irá priorizar as compras de supermercado antes de tomar umas no bar. Bem, não é difícil imaginar uma situação muito corriqueira que contesta essa suposição. Quando estamos tentando entender porque as pessoas consomem o que consomem, usar só uma lente metodológica tende a falhar. Precisamos pensar com um pouco mais de complexidade e buscar trazer mais os conceitos de rituais culturais são importantes para uma análise mais profunda e acurada.
… e assim se cria uma identidade social.
As organizações buscam formar sua cultura organizacional pela seleção – buscando um perfil específico entre os candidatos; pelas normas de comportamento que dirigentes e altos executivos estabelecem e socialização, processo que ajuda os novos funcionários a se adaptarem à cultura organizacional.
Quando essas ações são bem sucedidas, criamos uma identidade social com a empresa que trabalhamos. Nossa estima fica ligada a esse grupo e passamos a ter envolvimento emocional com as vitórias e as perdas que acontecem. O mesmo se aplica quando desejamos fazer parte de qualquer grupo social e entendemos que nossa vontade é justificada pelos seguintes motivos (ROBBINS, S.; JUDGE, T.; SOBRAL, F., 2011):
Similaridade
Mesmos valores ou características dos outros membros do grupo.
Distinção
Identidades que mostram como elas são diferentes dos outros grupos.
Status
Usar a identidade para se definir e aumentar a autoestima e se sentir mais interessados.
Redução da Incerteza
Ajuda a entender quem são e como se encaixam no grupo.
Especialmente quando esses interesses geram grupos informais, é possível aplicar um modelo de estágios, sendo que no início, há interação entre as partes, mas com uma grande dose de incerteza. Num segundo momento, são os conflitos que ajudam a identificar se há similaridade, distinção, status ou redução de incerteza. No estágio de normalização é quando surge a identidade social do grupo e as práticas são mais coesas. O processo culmina no desempenho do grupo em atingir objetivos e realizar atividades. Há alguns grupos que veem seu fim e passam pelo quinto e último estágio, “Interrupção”.
Então, no geral, para que grupos tornem-se equipes e comunidades, alguns pontos de ação são:
- Esclarecer a razão e propósito de sua constituição;
- Explicar o que a equipe pode ou não fazer;
- Comunicar com assertividade;
- Negociar constantemente;
- Incentivar o comportamento ético.
Será que estou participando ou formando equipes?
Nas aulas de Gestão de Pessoas da especialização em Gestão de Projetos que cursei, a Prof. Eliana Gosendo apresentou os Doze CS são um grupo de perguntas que ajudam a identificar se os aspectos mais importantes foram planejados:
1
Clareza de Expectativas
- A gerência comunicou claramente suas expectativas em relação?
- Ao desempenho e resultados esperados?
- Os membros entendem por que a equipe foi formada?
- A organização está demonstrando constância de propósito no apoio à equipe com recursos de pessoal, tempo e dinheiro?
2
Contexto
- Os membros da equipe entendem por que estão nela?
- Eles compreendem como a estratégia de usar equipes vai ajudar a organização a alcança seus objetivos?
- A equipe entende onde o seu trabalho se encaixa no contexto total da missão, visão, valores e objetivos da organização?
4
Competência
- A equipe sente que tem as pessoas apropriadas participando?
- Seus membros têm o conhecimento, a habilidade e a capacidade de tratar dos assuntos para os quais ela foi criada?
- A equipe percebe que tem os recursos, as estratégias e o apoio necessários para realizar a missão?
5
Constituição de objetivos
- A equipe definiu e comunicou seus objetivos; antecipou seus resultados e as contribuições previstos; seus cronogramas; e como medirão tanto os resultados de seu trabalho quanto os processos que seguiram para realizar a tarefa?
- A gerência apoia o que a equipe acordou?
6
Controle
- A equipe tem a liberdade e os poder suficientes para ter o sentimento de autoria necessário para atingir seus objetivos?
- Ao mesmo tempo, os membros da equipe entendem claramente seus limites?
- A organização definiu a autoridade da equipe para fazer recomendações e implementar seu plano?
- Há um processo de revisão definido?
7
Colaboração
- A equipe sente que tem as pessoas apropriadas participando?
- Seus membros têm o conhecimento, a habilidade e a capacidade de tratar dos assuntos para os quais ela foi criada?
- A equipe percebe que tem os recursos, as estratégias e o apoio necessários para realizar a missão?
8
Comunicação
- Os membros estão esclarecidos sobre a prioridade de suas tarefas?
- Ha um método estabelecido para receberem um retorno honesto sobre seu desempenho?
- Os membros se comunicam claramente e honestamente entre si?
- Os membros da equipe trazem opiniões diversas para a reunião?
9
Criatividade para Inovação
- A organização está realmente interessada em mudança?
- Ela valoriza o pensamento criativo, soluções únicas e ideias novas?
- Ela compensa as pessoas que correm riscos razoáveis para fazer melhorias?
- Fornece o treinamento necessário, o desenvolvimento, etc.?
- Os conflitos necessários são levantados e tratados?
10
Consequências
- Os membros sentem-se responsáveis e respondem pelas realizações da equipe?
- São dadas recompensas e reconhecimento quando as equipes são bem-sucedidas?
- Riscos razoáveis são respeitados e encorajados?
- Os colaboradores podem perceber seu impacto no crescimento do sucesso da organização?
11
Constituição de objetivos
- As equipes são coordenadas por uma liderança central que assiste os grupos no que precisam para o sucesso?
- As prioridades e a alocação de recursos foram planejadas em todos os departamentos?
12
Controle
- A organização reconhece que a instituição do futuro, focada no trabalho em equipe, colaborativa, distribuidora de poder, é diferente da organização tradicional e hierárquica que provavelmente o é no momento?
- Ela reconhece que quanto mais mudar seu clima para apoiar as equipes, mais receberá de volta do trabalho de suas equipes?
Afinal, como aplicar esses conceitos além do trabalho?
Na vida, nossos recursos são limitados, por isso devemos buscar atenção onde colocamos nossos esforço e tempo. Esses conceitos me ajudaram a ver certas interações de forma mais racional, uma estratégia importante se há um conflito ruim acontecendo e você está muito emocionalmente envolvida ou envolvido.
Não sei quanto a você, mas durante muito tempo eu acreditava que deveria ir até o final, fazer tudo o que eu poderia até “desistir” e virar a página. A realidade é que o resultado não depende só de uma parte e não há muito o que fazer quando não há cooperação.
Todas as suas amizades são aquelas que você procura para ir pra balada ou elas estão dispostas a te ajudar em questões mais profundas? As pessoas com quem você está relacionando te falam verdadeiramente o ponto de vista delas ou dizem só o senso comum?
Espero que esses conceitos te ajudem, como me ajudaram, a diminuir meus conflitos no trabalho e em relações pessoais. Estou conscientemente procurando pessoas que tenham a mesma visão de mundo, mesmo que não consigamos mudar nada a longo prazo, que ao menos vivamos nossa limitada existência conforme uma vontade de algo melhor.
O potencial de uma equipe bem organizada é muito maior do que uma pessoa brilhante. Namastê.
Fontes:
CACIOPPO, John T.; PATRICK, William. Loneliness: Human nature and the need for social connection. WW Norton & Company, 2008.
KATZENBACH, Jon R.; SMITH, Douglas K. The discipline of teams: A mindbook-workbook for delivering small group performance. John Wiley & Sons, 2001.
ROBBINS, S.; JUDGE, T.; SOBRAL, F. Comportamento Organizacional: Teoria e Prática no Contexto Brasileiro. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. Capítulos 9 e 10
MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. José Olympio, 2003.
HOFSTEDE, Geert H.; HOFSTEDE, Gert Jan; MINKOV, Michael. Cultures and organizations: Software of the mind. New York: Mcgraw-hill, 2005.