A Trader que lavou cabelo demais: mais um caso de fraude no marketing digital

Cancelada por lavar cabelo no salão com um lado muito mais obscuro na história.

A história que viralizou recentemente sobre uma trader que só lava cabelo em salão de beleza, tem um lado muito mais obscuro do que se pode imaginar. O caso chamou a atenção não apenas por conta da ostentação, mas por denunciar um esquema fraudulento envolvendo o marketing digital que já sofreu diferentes denúncias nos últimos 4 anos.

A trader em questão oferecia cursos online de day trade, prometendo lucros exorbitantes em um curto espaço de tempo. Entretanto, como apontado por estudos realizados pela FGV com dados da Comissão de Valores Mobiliários, essa prática pode ser comparada a um cassino, já que a grande maioria dos investidores acaba perdendo dinheiro. De 20 mil pessoas que ingressaram nessa prática, 90% desistiu. Das 2 mil mais resilientes, somente 13 pessoas ganharam mais de 300 reais por dia, em média.

Além disso, um brasileiro descendente entre os 10% mais pobres leva, em média, nove gerações para atingir o nível médio de rendimento. Isso significa que a promessa de lucros fáceis e rápidos por meio do day trade é ainda mais atraente para pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade financeira. (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2018 e Fórum Econômico Mundial, 2020)

Existe um padrão no marketing digital de fraudes: senso de urgência, ofertas falsas de ganhos, apelo emocional, falsificação de identidade. A ciência ainda não chegou num “como” a persuasão acontece, mas sabe-se que pessoas em vulnerabilidade emocional são as mais atingidas; são pessoas mais propensas a terem comportamento de risco, possuem dificuldades cognitivas ou com tendência a experimentar emoções negativas. Todas essas condições serão significativamente agravadas após serem vítimas de fraude. Essas pessoas irão se isolar em sentimentos (Norris et al., 2019, Journal of Police and Criminal Psychology)

Vamos então analisar o caso?

Bem, no bingo do marketing fraudulento, já sabemos que day trade não é uma fonte de renda confiável a longo prazo, indicando uma oferta falsa de ganhos. No Reclame Aqui, temos o depoimento “adquiri o curso dela desesperado, porque ela falou que as vagas estavam acabando”, então temos a lógica da escassez junto de oferta falsa de serviço personalizado e limite de turma. O depoimento segue com “alunos começaram a reclamar, ela bloqueou o grupo”.

Pelo jeito que ela é mal-caráter, com certeza ela deve ter feito isso já pensando na lei de no máximo 7 dias para estorno de compra. Falou que a turma iria ter vagas limitadas, que iria pegar os alunos na mão, e só soltar quando tivessem tirando dinheiro do mercado, falou que só iria fazer o curso mais essa vez, porque alem de se dedicar aos alunos, queria se dedicar a outros investimentos. Foram mais de 700 alunos que compraram o curso, no valor de 800 reais. Ou seja, nessa brincadeira, ela fez mais de mei milhão de reais, ai com certeza ela mudou de ideia no lance de não abrir o curso de novo esse ano.

A comunicação tem alto apelo emocional, falando coisas como “trabalhei tanto que desmaiei no ônibus” ou “aos 20 anos faturei 1 milhão sozinha trancada dentro do quarto”, completa com “minha familia não me apoiava, diziam que eu estava fazendo coisa errada” e finaliza “a depressão é um mal que veio para o bem, se você souber contornar as adversidades, você só tem a crescer”.

Com isso, ela cita diretamente a pessoa em situação de vulnerabilidade. O último para o bingo é a “falsidade ideológica”, que podemos definir como “ato de omitir a verdade ou inserir declaração falsa, em documentos públicos ou particulares, com o objetivo de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato”. Nesse ponto é que gira a maior especulação, eu acredito que as comunicações em si podem ser entendidas como um “documento”, mas são feitas sem um CNPJ. Sendo assim, talvez seja enquadrado como propaganda enganosa, que tem pena de detenção de três meses a um ano e multa.

Apesar de alto volume de vendas, ela diz claramente que a maior fonte de renda não são os cursos, mas 7 diferentes empreendimentos – incluindo uma agência de “lançamentos”, que é um tipo de estratégia de marketing digital, imagino que vocês já conheçam.

Não é só de 2023, mas a fraude já foi revelada em 2020

Houve um grupo de estudantes de 2020 que processaram a plataforma em que ela estava disponibilizando os cursos, porque as vendas foram feitas sem CNPJ. Algumas pessoas pagaram o curso diretamente em contas bancárias. Então ela, como pessoa física, teria de devolver, uma vez que plataformas de cursos e pagamentos são só intermediadores.

Esse caso nos mostra a importância de termos um olhar crítico sobre as promessas de ganhos fáceis e rápidos que são feitas no marketing digital. É preciso que as pessoas tenham acesso a informações claras e objetivas sobre as práticas financeiras e sobre as chances reais de lucro em cada uma delas.

Se você conhece alguém que pode ter sido vítima de uma fraude no mercado financeiro ou em qualquer outra área, é importante oferecer suporte e ajuda para que essa pessoa possa se recuperar e evitar futuras situações semelhantes.